-Amua para aí
Vai a correr vestir o pijama
Gritas a pensar que me pões o dedo na ferida de estar em casa na véspera de feriado. No filme que estava a ver, antes de me queres inquietar com a tua ansiedade, o artista principal estava a sussurrar ...despe o pijama a correr e fecha a porta.
Que tenhas o tom que te apetecer, que eu hoje também já não canto nada, e não te vou explicar que no pijama estou tranquila e comigo e mais perto de mim e é isso que me apetece hoje. Não há nódoa na noite negra, nunca fui pessoa de ir, como ouvi por aí, me perder na multidão para me encontrar. E tu nunca percebeste o meu sol.
Atira as pedras que quiseres…
o muro entre nós vai crescendo...
Passo os dias a escrever sobre a vida de outros.
Outros… porque não me interessam para nada. Isto é uma coisa, é a minha vida, aquilo é outra coisa, é a vida dos outros.
Mas passa…como a chuva de Abril na renascida Primavera, pertence-lhe, é inevitável, e ao menos é Primavera, ao menos tenho-a.
As sementes que cultivo são uma coisa, as flores que apanho são outra. Um pescador tem de apanhar peixes, quando eu apanho histórias, alimento muito mais do que preciso. Um par de histórias, por uma estória impar. Alimento o sonho de sempre…
when I was just a little girl….Quem será será…e não o é sem passar por estas outras coisas. O pior, ou o melhor, são estas, que me passam pela cabeça instantânea e constantemente, inquieta e apaixonadamente, como se pudesse escrever um livro num só dia…o primeiro seria da poesia evaporada, condensada na alma.
foto: Stefan Rohner
Não sei por que é que a descrição …está azul.
Quem já passou suspirou, sentiu, bebeu, pousou e pisou, noutros tempos, esta praia sabe que já foi preta, negro cru, letras libertas. Agora está canteiro, cor de terra molhada pela primavera de Abril, semeada numa saudade febril com raios amarelos do que antes foi e do que sou sempre. Assim pintada, cheira até mais a canela do que já cheirou alguma vez, com a especiaria apurada desta que é cada vez mais apaixonada pelo que vive. Pode ser que amanha seja laranja, ou quem sabe vermelho vivo. Esta primavera arrepiada em cada calor de cada dia abre-se a arco-íris todos os dias. Afinal a vida escreve-se a lápis…
Jurei que a Semente ia ser diferente.
Mas não a tenho regado com mais nada do que água salgada…o fado vai ser o mesmo, e, afinal, sempre esteve na minha mão. Não acredito que esteja escrito mas sim que somos nós que o escrevemos, e eu sempre a tive esta mania da poesia para tudo.
E como poeta que é poeta sofre, chora e se demora na dor, na saudade, na esperança e na ilusão eu continuo a tecer estrofes de nós, a acreditar numa métrica perfeita e impossível. Mas o que nós temos já não tem som, já quase nem é diálogo. Deixou de o ser antes que eu te acabasse de escrever a verdadeira carta de amor que sempre quis escrever. Agora já não quero nem consigo. O poeta não é tão fingidor como dizem.
E como o amor é cego mas não é mudo, não para mim que gosto de condensar o mundo num só grito quando estou com o coração cheio…
agora que nada se ouve…
vou esvaziar o que possa ter ficado de ti que eu queria tanto que ficasses na morada para onde um dia pensei enviar-te a tal carta.
Adormeci.
E esta noite, que o ciclo de estações que sem dúvida tudo rege, tornou quente de mais e fria de menos para se tapar com esta insónia saudável, acordei. Ouvia-te respirar e só isso, incomodava-me, como sempre me incomodou desde a primeira vez. Como sempre me fez mexer, como me mexi jamais. À noite piorava. Ou o respirar era um só, exausto e feliz, ou a insónia era certa e boa. Hoje, foi boa demais e soltou-me até ao papel outra vez, com saudades de mil vezes. Perguntavas-me o que eu me perguntava e cansava e que ninguém sabia... porque razão já não escrevia. Mentia-te que era falta de inspiração, quando sabia que não há melhor musa que a paixão, tão pouco maior veneno. O que eu sempre soube e vou sempre acreditar é que o amor é cego e cega. E surda e imóvel e amante, arrastei-me meses e meses sem finalizar uma linha. Antes eram como ondas que bebia para matar a sede, e sem dúvida a solidão. Fazia-me companhia, agora fazes-me tu. E tudo o resto que me fez e fazia, tudo de que escrevia, agora faz-me falta. Sem esperar por um título vim mergulhar outra vez. E como na praia não há pedras no caminho para marcar o rumo, apenas a espuma que se esvai, deixo-me ir, confesso-me meio perdida. A maré está baixa, a areia respira e isso chega-me. Lembro-me de ti, no quarto a respirar e regresso, já morta de saudades sempre tuas e viva por estes minutos sempre meus.
Boa noite meu amor.
Bom dia.
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